"Fugimos do abismo da vida, e fugimos da vida - embora tal seja uma autentica estupidez. Se fugimos da vida, caminhamos para o abismo; se fugimos do abismo, abraçamos o calor frio da vida. E talvez porque somos humanos, voltamos novamente a perder o comboio, e novamente, e novamente - e assim continuamos, e assim caímos, e assim caem connosco. Perdemos quem amamos, perdemos quem odiamos [ódio este que somente demonstra que tais pessoas fazem parte do nosso espelho de vida].
Perdemo-nos - oh, como o comboio já lá vai!" - J. A.

domingo, 20 de dezembro de 2009

O amor acontece

Vendo-te através da frincha,
Se te vejo,
Olho-te, olhando-te,
E o que me cresce do peito, mais que sentimento,
É bradar, é grito, é amar.
E se sai do peito,
Para o ar,
Que saia então,
Saia, sim saia,
E saia também para o mar!
Amar?
Sim, amar,
Pois quanto existe no mundo é para se amar,
Desde a mancha neste tapete,
Às estrelas, ao luar,
E se te prendo,
E se te agarro,
E se com um braço te torneio a cintura,
E te elevo a dançar?
Dancemos pelo quarto vazio,
Junto da cama desfeita,
E elevemo-nos hoje ainda,
Que a vida é perfeita!
Amar?
Sim, amo-te enquanto te vejo a pentear,
E enquanto passeio contigo,
Juntos,
Mesmo sem um olhar.
Amar-te?
Sim, sem dúvida,
Que essa é a minha certeza…
Que seria do meu mundo,
Que seria de tudo,
O que valeria a pena, se não te amasse?
Amo-te e isso basta-me,
E quando olhas para trás,
Pela porta encostada,
E me chamas,
Não posso mais que balbuciar,
Olhando-te no moreno dos olhos, do cabelo,
Que te amo,
Porque tudo,
Tudo,
É te amar.

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

V

Gira o Sol e gira a Lua,
Gira o tempo, gira a rua,
Gira a chuva no colo do vento,
Canta a luz, num sopro lento,
Mais o dia que foge (pois não!),
Formigam as folhas, falha-nos o chão,
E a lua que brilha, já surge no brocado negro,
E as vozes que se elevam, num canto bento.
De joelhos, rasgados, no chão, de mãos ao alto,
Dobra o sino num relâmpago,
Trovão que se vê e abre o chão.
Eis a campa, ponde-a lá,
Enterrai a soberba, que já não nos vale cá,
Triste notícia, morte adiada,
Da alma portuguesa já derrocada.
Atire-se ao fosso, na noite escura,
Dom Sebastião e as naus que do fundo
Mar vêm, assombrar a noite defunta.
Vê o cego o trovão e grita o mudo,
Que morra Portugal se não tem outro mundo.
Do outro lado do mar há uma ilha,
Onde se trava uma guerra infinda,
Onde as almas vivas lutam,
Onde se encerra o Novo (velho) Império.
Que partam as naus da mente, novamente,
Para essa terra para lá da fronteira do fundo
Que toda a alma nossa para lá migre e lute pela terra amada
Onde o sonho não ultrapassa
O fogo da alma, em paixão,
Onde, quando vencedores, teremos o mundo na mão.
Lutemos, agora, enquanto é tempo,
E, se não Deus, o Além virá.
Ergamo-nos, num clamor, de novo
Povo sem comandante, com homem do leme, imortal e morto.
Voltear de espada ao céu onde se vê o trovão
Que fará tremer os alicerces da terra.
Morreu Sebastião. Que venha o novo mundo!

domingo, 6 de dezembro de 2009

Saudade

Sinto saudade.
Tenho saudade de olhar o mar
E de ver o nascer do sol do cimo de um monte.
Tenho saudade de ver o facho de luz da lua cheia,
Como um farol que orienta o pensamento na noite escura.
Tenho saudades do que não tenho,
E do que nunca tive,
Dos tempos em que, em vão, tentava segurar a areia
Que me escorria da mão para o outro lado da ampulheta.
Hoje, atravessei o mar,
E deixei a saudade no país onde travava guerras,
Deixei a alma onde travei a guerra.
Ficou caída, como Dom Sebastião,
E hoje sento-me no cimo do prédio,
Que já não tenho montes no horizonte,
E fico, todo o dia,
A ver o sol subir e descer à espera que a minha alma volte nas caravelas
Que nem sei se partiram já para rasgar o mar.
Os pássaros não me trazem novas desse país,
Nem vejo pombas brancas apressadas a debicar oliveiras para lhes arrancar ramos.
Não vejo notícias nos jornais,
Nem sequer esse país no mapa.
Se calhar sonhei-o um dia e, por acreditar que assim manteria o sonho,
Deixei lá ficar a alma por sonhar que a quimera era melhor que a realidade.
Deixei a alma, ou trouxe-a, nem sei, no meio dos fantasmas desse mundo,
Desse outro mundo que se entrecruza com o meu e que nem sei sequer se não é
[já o meu.
Nesse mundo onde talvez a minha alma não seja sozinha,
Nesse país onde as almas se fardam de igual e marcham lado a lado.
E isso é bom?
É mau?
Trocar a singularidade pelo todo?
Mas é uma guerra que há lá e quando minh’alma voltar, se voltar, se houver
[donde voltar, se tiver partido,
Não será igual; será maior.