"Fugimos do abismo da vida, e fugimos da vida - embora tal seja uma autentica estupidez. Se fugimos da vida, caminhamos para o abismo; se fugimos do abismo, abraçamos o calor frio da vida. E talvez porque somos humanos, voltamos novamente a perder o comboio, e novamente, e novamente - e assim continuamos, e assim caímos, e assim caem connosco. Perdemos quem amamos, perdemos quem odiamos [ódio este que somente demonstra que tais pessoas fazem parte do nosso espelho de vida].
Perdemo-nos - oh, como o comboio já lá vai!" - J. A.

sábado, 10 de abril de 2010

Crac.


            Crac. Crac. Crac. Crac. O frio tinha gelado a erva que estalava enquanto se partia debaixo dos meus pés. O vento agitava violentamente as copas das árvores, que forçavam o tronco a balouçar para a frente e para trás. Pergunto-me quanto tempo aguentarão metade destas árvores, com este vento. Mas esta pergunta é parva porque não estou, de facto, interessado em saber a resposta. Crac, crac, crac, continuo a andar, com as mãos completamente perdidas nos bolsos do sobretudo preto que de nada me servia contra o frio glaciar. Não sei porque motivo me apeteceu vir andar neste dia (ultimamente nem ligo muito aos motivos; desde que deixei de ter motivo para ter motivos que me rendo facilmente ao impulso) mas neste dia esse desejo foi forte. E assim larguei o calor da lareira e me pus a andar pelo campo desolado e solitário. Crac, crac, crac. Não havia um cantar de pássaros, nem gritos ao longe. Não havia nada para além de silêncio. Crac, crac, crac, CRAAAC. Sinto algo ceder sob os meus pés. Sinto algo a ressoar. Um eco. Madeira a cair. Madeira podre a rachar completamente. Eu a cair. Eu a cair. O assobio forte aos ouvidos. A pouca luz a diminuir ainda mais. Um baque. Sinto algo quente a escorrer-me nas pernas. Dor. Dor. Dor. Dor. Dooor. Doem-me os ossos. Sinto-os partidos. Dói-me o peito. Não consigo respirar. Levanto os braços. Tento agarrar-me às paredes do poço seco para me levantar e caio. Agarro-me. Meto-me de pé. As minhas pernas estalam novamente e eu caio de novo no chão. Dor. Dor. Dor. Dor. E sangue a pingar. Levanto os braços. Tento gritar mas tenho um nó na garganta. Não consigo respirar. Estou muito apertado. As paredes avançam contra mim. Tento levantar-me. Caio. Tento levantar-me. Caio. Não aguento a dor. Ergo os olhos para a luz lá em cima. Não consigo. Dói-me. A luz desfoca-se. As pálpebras cerram. Paragem.

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