"Fugimos do abismo da vida, e fugimos da vida - embora tal seja uma autentica estupidez. Se fugimos da vida, caminhamos para o abismo; se fugimos do abismo, abraçamos o calor frio da vida. E talvez porque somos humanos, voltamos novamente a perder o comboio, e novamente, e novamente - e assim continuamos, e assim caímos, e assim caem connosco. Perdemos quem amamos, perdemos quem odiamos [ódio este que somente demonstra que tais pessoas fazem parte do nosso espelho de vida].
Perdemo-nos - oh, como o comboio já lá vai!" - J. A.

sexta-feira, 14 de maio de 2010

Simplicidade.


Rodo, e volto a rodar, e giro novamente sobre o seu eixo, a pequena peça dourada na minha mão. Afago-a, com o carinho que só um pai demonstra ao seu filho, e esta peça é mais que um filho, é a minha concepção de perfeição materializada num simples objecto que jamais adornará algo ou alguém. É algo que de tão simples ganha o seu quê de complexidade, analisada e raciocinada, revista e descrita por imensos, sem nunca, no entanto, encontrarem uma explicação satisfatória para o que ela irradia. E, se ela ainda agora está por terminar, então quando acabada não terá rival. Arranco das entranhas de uma gaveta, compartimento secreto, desta escrivaninha construída de propósito, como prenúncio, do reino que estava então reservado para mim, uma bolsa. Sinto o seu veludo azul escorrer-me, leve, macio, por entre os dedos como se de o mar se tratasse, arranhando-me com as ondas dos seus intrincados bordados a fio de ouro. Se eu não soubesse melhor que eu próprio diria que eu era um nobre. Mas como eu sei mais que eu (se é que tal paradoxo é possível ou sequer concebível) asseguro-me, acalmando-me, que não sou um nobre e que, aliás, a monarquia já há muito acabou na minha república. Mas eu sou anacrónico e o que se passa na rua é para lá do meu principado; aqui, onde tudo o que me importa acontece, sou alquimista, príncipe e juiz, rei absolutista a quem não se questiona nada do que se diz. Mas adiante, não posso perder-me em devaneios ilusórios de poder e força, já que, pousado no seu pedestal de brocado vermelho, está a minha tentativa de materializar, como através de uma qualquer pedra filosofal, a perfeição em si, no estado puro. Faço abrir o pequeno saco e sinto as lágrimas do seu interior; como a chuva que cai lá fora refulge ao brilhar do sol, ao virar a pequena bolsa, produzo uma pequena chuva de minha criação e as lágrimas caem sobre a mesa, todos eles pequenos diamantes resplandecendo à luz das velas, com o seu interior em fogo, tremendo com uma ou outra aragem.

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